segunda-feira, 9 de agosto de 2010

assim será?

Acordei com o atraso nos olhos. É terça-feira e chove do lado de fora. Acordei sem nenhuma vontade de ir, mas com a obrigação de fazer. Acordei sem querer despertar o que enfim em mim adormeceu sereno. Sem querer me encurralar entre aquelas paredes de novo, sem querer permitir que o ócio confunda ainda mais a minha cabeça.

Aumento o volume pra tentar me desvencilhar do restante do mundo. Eu não vou partir antes de dar adeus a todos. Eu não vou sair antes de dizer sem nenhuma palavra o que eu gostaria de explicar ao seu coração. Eu não vou até que eu tenha toda certeza de que eu não posso afirmar nada sobre mim. Eu não vou descer até que eu entenda o que é que me faz ser assim. Eu não vou parar até que a sua boca consiga calar a dor que grita no meu coração. Aumento o volume pra tentar encontrar na musica a hora certa de retornar ao mundo real.

Sigo com o silêncio dos meus olhos, um zumbi adestrado a procura de um alimento de papel. Um zumbi iluminado pela inconsciência opcional, um zumbi procurando se tornar invisível entre todas as rodas que correm velozes pela avenida encharcada de ódio e descaso. Eu sigo, pois seguir é sempre a única opção que me resta.

Mais meio caminho até o inferno das horas lentas e das verdades mais baratas do mercado. Mais meio caminho até a forma mais simples e mais banal de ser produtivo. Mais meio caminho até o ponto em que eu me afundo dentro de todas as coisas que se acotovelam entre minhas costelas. Mais meio caminho até o desespero de ser refém de valores tão irrisórios quanto desnecessários. Mais meio caminho até que fique provado que não há suporte algum aos meus objetivos. Mais metade do caminho mais curto, mais rápido, mas nem por isso, menos doloroso.

Eu me divido na tentativa de conseguir um meio termo, eu me divido na tentativa de conseguir a tolerância, a paciência, a sabedoria de acreditar que aquilo de alguma forma me será positivo. Eu me divido enquanto tento esquecer os pedaços de mim que foram jogados fora por tantas vezes pelas mãos que eu mais amei e amo. Eu me divido enquanto as duvidas que eu causo ao mundo dilaceram a minha expectativa de solução e solidificam minha solidão á beira desse abismo. Eu me divido na tentativa de escapar mais rápido dessa nova prisão.

O meio da tarde acende um cigarro. O tempo necessário pra algum tipo de alimento e um pouco de paz cercada de angustia e esperança enquanto o telefone não toca. A sua voz não me salva de nenhum dos meus problemas, mas ainda assim ela consegue ser tudo o que eu quero ouvir nessa hora. A fumaça se espalha lenta enquanto eu enxergo os carros entre as poucas gotas que ainda sobraram pra cair do céu. Os sinais se revezam, as pessoas se espremem debaixo das marquises e eu fui o único que corri atrás de um pouco de ar pra preencher com a fumaça cinza de mais um dos meus primeiros cigarros.

O tempo se acelera na volta e a cabeça consegue ser ainda pior durante as duas ultimas horas. O anseio pra que o relógio atinja o momento da liberdade e a expectativa sobre o que e quando fazer a noite. Nenhum dos meus planos se consolida nesse inferno de piso verde. Nenhum dos meus sonhos se torna real enquanto eu sigo as normas de conduta, nada se acresce a mim, exceto meus próprios desejos incapazes de se transcreverem em realidade.

Eu sou uma imensa bola de neve que desaba engolindo tudo o que fica em seu caminho. Eu sou a primeira pedra incandescente de fogo que escapa da boca do vulcão em sua ira e glória. Eu sou a folha que cai no lago e gira de acordo aos desejos do vento. Eu sou a infinidade de capacidades que todo o caos pode gerar em sua desordem sublimemente brutal. Eu sou um escravo, aprisionado de todas as formas. A hora de partir se aproxima.

Na volta já não há mais chuva, já não há mais pressa. Eu tenho tempo de sobra nas duas horas que me restam até que eu possa enfim me distrair a procura de algum talento ou aprendizado através da minha persistência. Na volta eu já não quero mais que o tempo corra, mas ainda assim eu desejo que o telefone toque. Na volta eu aos poucos me esvazio de tudo aquilo que me consumiu nas poucas horas em que estive a serviço da sociedade, a serviço do seu senhor deus de papel e valor.

Eu sou apenas mais um. Esse foi apenas mais um. Outro, apenas outro daqueles que vem se repetindo. Será que deu pra entender?

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