domingo, 29 de maio de 2016

venho
venho pela dor
como se fosse um vício
espetar agulhas no espaço entre cada um dos dedos

venho
venho por você
e sim, isso é um vício
como se eu precisasse sempre reler aquela mesma palavra

como se eu precisasse me certificar todos os dias
que as coisas ainda são as mesmas
que nada mudou de ontem pra hoje

como se eu pudesse encontrar alguma pista
que me dissesse qual é o próximo passo
desse dançar sem musica no escuro

eu volto
percorro o mesmo caminho
que entorta a minha clavícula
parte os úmeros em três
embola rádio e ulna
e por fim
estilhaça cárpicos, metacárpicos e falanges
no instante em que a porta se fecha

venho e penso em ossos
dentes e esquinas
venho e passo os olhos
entre as sobras e as mentiras
e as vísceras expostas
no lugar onde ninguém mais vai procurar

venho
e anoto recados
e deixo mensagens em secretárias eletrônicas

venho
e recorto lembranças
pra pendurar numa parede

venho
e não espero retorno
não espero mais nada

por isso

venho
pela dor
pelo vício

por você

segunda-feira, 23 de maio de 2016

imagina letra

Como
Me alimento
?

Poesia é imagem
Amor em sons
Sinto
Tanto
Que escolho fechar meus olhos

E me deixar cair

                e cair...
                            sente?

A falta de um sentido
audiovisão
olfativa no paladar sem tato


eu não queria escrever
é sério
eu não queria mesmo escrever
se eu pudesse escolher uma forma de fazer isso que venho buscar aqui
elas seriam todas
inclusive essa
mas eu não queria escrever
é que quando a gente abre a caixa de pandora com as letras
ainda sim tudo continua tendo um significado
tudo
eu posso desafinar meu violão e chamar de estilo e encontrar minha verdade dentro dele
mas como é que eu desafino a cabeça de cada um de vocês que ta decodificando o significado de cada uma dessas letras com base num aprendizado lógico
como é que eu faço pra colocar arte nisso tudo?
Talvez fique claro meu conceito de arte baseado no que se pode chamar de instinto ou numa visceralidade tão ausente na nossa vivência cotidiana

que perde o sentido
ai vira só um maluco – falando um monte de merda
achando que ta encontrando alguma coisa dentro dele que possa fazer algum sentido
mas ele é calejado demais pra acreditar nessa coisa de good vibes e coisa e tal
talvez isso que vocês nomeiem de fé ele chame de incerteza
e talvez ele ache que as incertezas podem ser tão incertas que elas possam até dar certo
pode até dar certo
mas talvez ninguém entenda

todo mundo fique ainda procurando a lógica
dentro da intercessão das incertezas
musica tem regra demais
imagina letra?




sexta-feira, 20 de maio de 2016

instabilidade
estável
vou e venho
e venho e vou
digo sim
digo não
não digo
aceito
gosto
quero
largo
passo
escolho
solidão
festa
amor
carinho
raiva
coragem
tempo
medo
força
carência
resiliência
abstração
danço
canto
calo
esgano
atrapalho
perco
chuto pra fora
perco a hora
levanto cedo
rego as plantas
aumento o texto
mudo o código dramático
falo a verdade
sustento a mentira
troco a areia do gato
escuto a mesma musica
tiro um retrato
recebo um e-mail
mando uma mensagem
posto um texto

instabilidade

quarta-feira, 18 de maio de 2016

tentativa
malabarismo
sob corda bamba
na máxima altura
uma vírgula
sob o risco
da queda
o olhar
desatento
da platéia
fatiar
costurar
arremessar facas
contra a sua imagem
imaginar
cortes mais profundos
degustar
sabores mais profundos
a tua alma
me apetece
quero nada
além de devorar-te
segurar seu coração
por entre meus dentes
massageá-lo num ensaio de mordida
e lentamente perfurá-lo 
saboreando a textura da sua existência
enchendo minha boca com o que é teu
até que se encontrem dente e dente
e eu sinta todo prazer que você já sentiu
e eu seja você e você seja o que eu pedir
sem medo
e que quando eu engula a sua alma
eu desperte
com o meu coração


na sua boca.
Eternamente em frente
Atropelando tréguas
Absorvendo pedras
E perdas
E outros clichês com troca de letras

O relógio corre sem descanso
E quantas voltas o seu mundo já deu depois do meu?
E quantas vezes foi segunda feira no seu coração?

Me atrasar pelas manhãs
Perder os sentidos dentro das madrugadas

Encontrar o inimigo e abraçar a própria força
Decorar a forca
A tabuada
Multiplicar e recalcular as possibilidades
A solução que quase sempre é igual a zero

Mas como fica a poesia nessa matemática?

Fiz as contas
E elas não bateram

Números redondos contrastando inúmeras redundâncias

E enquanto tudo se repete
Tudo se repete
Tudo se repete
Eu passo o dia esperando o relógio me dizer que:

“Já são sete
Me enfrente
Eternamente”

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Mastigar e cuspir
Mastigar e cuspir
Mastigar e cuspir

Ageusia

Não há sabor
Não há saber

Mastigar concreto
Mastigar cimento
Mastigar certezas

Digerir o tempo
Digerir o tédio
Digerir tristezas

Duas xícaras de caos
Meia colher de angústia
Ferver em fogo baixo
Tempere a gosto
Serve uma pessoa


Mastigue e cuspa no prato que comeu 

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Página: 1 de 1

Palavras: 5

Português Brasil

Palavras: 9

O mundo desaba
Contraditoriamente me ergo
Contraditoriamente respiro
Sobras e escombros foram removidos
Mas rui a minha volta algo ainda maior que eu
Não me sinto preparado, mas estou pronto
A vida não deixa escolhas
A vida não dá tempo pra que tudo tenha seu tempo
Por isso não me resta alternativa
Mesmo que eu não veja nenhuma saída
Meu dever é escapar
Como um mágico amarrado a uma camisa de força
Como um mágico amarrado a uma camisa de força e mergulhado num taque de água gelada
Escapar ou sufocar?
Entre a dor e o nada construir uma terceira opção
O país acaba lentamente
E o meu reino se ergue contra todos
Minha vontade é o vetor da minha salvação
Minha força é minha luta
Minha maior arma é a resistência
Resiliência

Palavras: 144


Eu e o todo
E tudo e quase nada
Minhas mãos
Meu alcance
Minha mente
Meu alcance
Meu coração
Minha morada
Meu olhar
O infinito

Qual golpe machuca mais?
Não importa
Se eu não cair, não importa

domingo, 8 de maio de 2016

Chaves em todas as partes
Uma porta que nunca se abre
E enquanto eu sonho você invade a minha alma
E afunda em mim mais uma interrogação

Será que eu deveria romper meu silêncio?

As manhãs se assemelham
As tardes se engolem
E as noites me trazem de volta pra esse mesmo lugar

Um centímetro quadrado
Onde eu encaro o tormento de uma eternidade
Tudo o que eu escolho esconder
Tudo o que eu deixo escapar
Mas que logo capturo e condeno

Pregos em todas as partes
Penduram os cacos da minha vontade
Sustentam a memória das minhas falhas
Expõem a ausência sufocante do seu olhar

Eu digo letra por letra:
Ausência


Quando eu acordo você ainda habita a minha alma

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Eu não penso mais sobre a lua
Ou sobre as infinidades estelares
Ou a respeito de até onde vai á borda azul do céu das tardes de terça feira
Eu não penso mais em como seríamos além de todas as regras sociais vigentes
Ou sobre como chegamos até as geladeiras
O estoque de alimentos, as roupas, os relógios
Eu não penso mais sobre como as ruas seriam daqui a dez anos se a humanidade deixasse de existir amanhã
Eu não penso mais sobre o comportamento de uma matilha
E nem em como a musica deve ter surgido
Ou em que ponto uma parede suja primeiro quando tocada por um sapato sujo
Eu não penso mais em abrir uma fresta na existência e me isolar de tudo
Ou na minha casa de quatro portas e quatro janelas no alto da montanha perto da árvore a beira do abismo onde eu contemplei o vazio da minha alma
Eu não penso mais em tentar compreender tudo, mesmo que eu não entenda nada
Eu não entendo
Hoje eu só penso num futuro que me parece cada dia mais incerto
Hoje eu só penso num passado que me parece cada vez mais distante
Hoje eu só penso que talvez eu devesse pensar de outra forma
Que talvez eu devesse agir de outra forma
Que talvez de outra forma, tudo fosse possível
Que de outra forma eu não teria que colocar tantas camadas entre a minha alma e rua
Que de outra forma talvez escapasse de mim alguma coisa que te fizesse perceber
Alguma coisa que fosse como um beijo no olho
Ou um retrato da alma
Ou um espelho apontado praquele seu desejo escondido
Uma brasa que flutuasse até aquela madeira que ainda não queimou
E te fizesse pensar na lua
Nas infinidades estelares


E em mim

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O silêncio
Me escolhe
Me encolhe
E me engole

Eu não tenho talento
Eu não vejo saída
Eu não invento imensidão

Pisoteado pela memória de doze mil elefantes
Condenado a repetir o destino incerto de uma bola de cristal
No passado o meu futuro era brilhante

Faz dez anos que se passaram dois meses
Faz dois meses que morreram três anos
Faz três anos desde que valeu a pena ter esperado vinte e sete vidas


Todos os dias são noites de domingo