quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Eu tenho dois caminhos
Uma escolha
Lamentar ou seguir em frente?
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Tudo aquilo que parecia sem fim
Cessou
E o silêncio fez-se rei de tudo
E o vazio fez de sua onipresença angustiante
Em todos os cantos, por todos os olhos e olhares
A falta
Em todas as bocas, em todas as falas e memórias
Você
Eu e o abismo
Em queda
Caídos
Ao chão
Eu e o abismo
E quando nos olhamos nos olhos e pudemos nos perceber iguais
Eu e você
Você e o abismo
Eu
Mergulhei
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Poesia para o ontem
Sinfonia do adeus
Retrato do passado
Memória lambida
Até o último sabor
A última gota
A d´água
Que cai da sua boca
Determinando a extinção
Das distâncias


quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

brecha 62

"O carro para em alta velocidade na esquina
A porta se abre
Um convite
Embarcar ou permanecer?
O que me esperaria dentro dessa porta?
A curiosidade matou o gato.[mas ainda assim o gato tem sete vidas.
Então vamos.
Vamos para dentro do carro que parou em alta velocidade na esquina
O carro do qual a porta foi aberta
E de onde veio um convite
Vou ou fico?
O carro me chama
A rua cessa
Os meus ouvidos estão em outro lugar
Sinto coisas que não entendo
Me perco
Perco meu julgamento
Permaneço são, na ciência desses fatos
Prossigo
Não há carro
Só a palavra
Só a memória construída em forma de história
Mundo novo
Lugar de fora
Longe, diferente, novo
Palavra que sai de mim e que de mim eu deixo que saia já com vida
Com fome
Com sede
Com vontade de devorar sentidos e perceber o mundo
Palavra sana
Palavra ventre, palavra fruto, palavra amém
E que assim seja
Sem muito pensar
Sem nenhum pudor
Revestida de coragem
Exista
Exista ó palavra

Exista e traga a mim um sentido pra existir também."

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Entre a louça suja, a janela, as roupas no varal e a lata de lixo cheia. No fim de uma tarde que mais parecia o começo de um dia. Em outro dia qualquer. Uma segunda-feira. O celular avisando um novo recado na caixa postal. Um recado que nunca irá ser ouvido.


Milhares de coisas ocorrem. Em cada janela um mundo novo e lá fora, o mesmo mundo. Um só. Único e infinito ao mesmo tempo. Agindo. O mundo apenas age. Com ele eu aprendi a virtude da ação. 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

estou enjaulado com meus piores demônios
e eles não me odeiam
eles me amam.
eles me seduzem
eles me beijam
eles me enganam
querem que eu permaneça ali
sob seu domínio
hipnotizado em sua falsa realidade
preso em sua teia de ilusões
eles querem que eu morra lentamente
querem que eu me esqueça do mundo que há além dali
além desse delírio
além desse êxtase calculado para me cegar
querem se alimentar do meu desejo
querem propagar a minha dor
querem me fazer morrer mil vezes a mesma morte
eles olham no fundo dos meus olhos
acariciam meu rosto
sorriem
tentam me fazer crer que eles são o melhor pra mim
se vestem de corpos
copiam o passado
quase me vencem
eles sabem quem eu sou
o que quero
onde falho
o quanto cedo
meus piores demônios
me deem as mãos
me abracem

eu vou tirá-los daqui

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

sou um homem em uma missão:
me encontrar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

finja que eu
nunca senti
nada daquilo

finja que eu
nunca soube
disso tudo

finja que nós
nunca nos vimos
tão de perto

me responda
qual é o limite do vazio
qual foi a vez que mais doeu
em quantas noites fez falta
em quantas outras estava lá
debaixo de tudo
dos olhos, dos copos, das línguas
como uma antiga maldição
uma cicatriz
um câncer incurável
como se ainda fosse o núcleo interno de ferro e níquel ardendo no centro do seu mundo sem orbita na imensidão de todas as possibilidades do acaso

finja que
nunca sentiu
nada daquilo
tão de perto





terça-feira, 1 de novembro de 2016

Mostra
Ensina
Deixa
Leva
Fica
Foge
Vaza
Expele
Sente

Volta

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

o tempo é algo plenamente relativo; processos e passagens são construções individuais. talvez me sobre calma no que te grita urgência

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Uma questão ente todas as outras
Qualquer resposta, responde qualquer pergunta
A minha forma de dizer, pouco importa
Tudo o que há pra SER DITO, DITO HÁ DE SER
REVERTER
RECOMPOR
REESTRUTURAR
FORMAS SÃO PERMISSÕES, LIMITES
EXPERIMENTOS NOVOS DE QUALQUER LIBERDADE
LIBERDADE, AINDA QUE VIGI?

HOUSTON, WE HAVE A PROBLEM.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

apostando a sorte na pontaria numa roleta russa.

seykensou

esse sou eu
e eu não tenho nome
me chame de qualquer coisa
tanto faz
afinal, qual é a minha probabilidade de ser alguém?
Quem? Eu?

eu sei quem sou.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Sou capaz de me perder em inúmeras coisas
Mas em poucas me perco tanto quanto em você
Se eu tivesse obrigação com a verdade na literatura
Poucos nomes seriam lidos em minhas palavras
Nenhum deles mais vezes que o seu
A verdade é que não adianta que se esconda a verdade
E a verdade é mutável, efêmera, astuta, elástica
O que cabe oculto em palavras não conhece limite
Se revela e some
Se encaixa ou explode
Nasce e faz morrer
Por isso repito mais uma vez
O que cabe oculto em palavras não conhece limite
Nutro diversos sentimentos
Encharcam-me a cama milhares de memórias
Milhões de intenções
E perdem-se com o tempo as lupas da realidade
Afinal, como construímos vínculos?
Ligas que se entrelaçam e se perdem
Ventos que sopram e máres que dançam
No ritmo absoluto e incontestável
Do maestro acaso e seu amigo tempo
É que vida é feita do que vem, do que fica,
Mas mais ainda do que vai
Nessa nossa impermanência constante de nós mesmos
(ser, não ser, ser, não ser)
Nesse transformar irrefreável do vivenciar
  Sou capaz de me perder em inúmeras coisas


domingo, 9 de outubro de 2016

De todas as coisas passou a se lembrar das mais aleatórias. Era previsível que o retorno trouxesse as margens da memória à imagem e expandisse o ainda existente vazio da ausência. Porém, para além de toda e qualquer previsão, acima de toda e qualquer precaução, lá estava àquela presença tomando cada cômodo da casa com uma cena do passado que repetidas vezes lhe custava à sanidade. Como uma série de pequenos gifs que se reproduziam automática e imediatamente após o primeiro passo para dentro de um novo espaço.

Começou com o banheiro. No espelho foi capaz de ver-se no passado ao lado dela. Em absoluto silêncio escovavam os dentes. Foi capaz de sentir o peso daquela presença já a tanto relegada ao status de algo intangível. Sem procurar encontrou o cheiro do passado. Quando deu por si já estava se perdendo pelas curvas do pequeno short de pijama cinza e não mais que de repente, viu-se confuso em frente ao espelho. Enquanto enxaguava a boca pensou por instantes ter entrado em uma máquina do tempo. Nunca antes havia literalmente vivido uma memória como naquele instante.

As demais lembranças talvez nem fossem assim tão verdadeiras. Mas a urgência que sentia em retomar o hábito da escrita o fez alimentar essa sensação de uma memória inundante, já que estava claro que esse seria um tema prazeroso para que pudesse praticar sob sua mais recente influência. E assim o fez. Sentou-se diante da tela esbranquiçada, acendeu a pequena lâmpada a sua esquerda e apagou a luz principal. Por alguns minutos vagou cegamente atrás de uma musica que julgasse ser adequada para conduzir-lhe até o tão desejado nível de inspiração produtiva, mas não obteve sucesso. Por fim, escolheu uma musica qualquer que terminou minutos depois e foi assim sucedida por um grande silêncio.

A essa altura já havia deixado a temática da lembrança pra trás e se emaranhava num estranho tecido narrativo no qual buscava dizer sobre uma só coisa de mais de uma maneira e ao mesmo tempo. Por fim percebeu que havia uma simples maneira de costurar todas as informações que havia atirado na superfície branca de seu papel virtual e por alguns segundos apenas segurou o queixo com as mãos, acariciou a própria barba e suspirou suas inúmeras desventuras naquele apartamento. Sentiu vontade de fumar, sentiu vontade de beber. Sentiu vontade de poder reviver outros momentos da mesma forma e com a mesma intensidade daquele em que a memória se fez de tempo presente no banheiro. Um misto estranho de lamento e satisfação preencheu seu peito.

Tomou consciência de que inconscientemente já se preparava para o fim daquele ciclo. Aquele que dois anos e seis meses antes havia sido colocado como o limite para uma realidade. Sorriu ao reparar quantos começos, meios e fins couberam antes nesse tempo. E não pensou nem por um segundo que a realidade do então agora tivesse sido algo totalmente inesperado no começo de tudo. Pelo contrário, chegava nesse ponto com a certeza de que nunca tinha tido certeza alguma do que poderia ter acontecido. Essa afirmação era o bastante para que tudo o que ocorreu se justificasse instantaneamente.


A página chegava ao fim e ele resolvia ceder ao desejo de um cigarro e a tentação de seguir sua leitura de cem anos de solidão. Era dia dez de outubro de uma enorme e incerta força naquele ano de dois mil e dezesseis. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

E se o Sr. Andar um pouco mais para a direita o Sr. Irá ver o Sr.
E então o Sr. Ei de perguntar ao Sr. Se o Sr. Irá novamente saber quem de fato é mesmo o Sr.
Andar irá.
Ei, se irá.

Vamos
Quantos são três? – perguntou o moço da porteira
Somos eu e você e mais um. – respondi
Mas mais um quem? – me perguntou o moço

Quem o senhor gostaria? – respondi 
Toda coisa me derruba

Vou ao chão

Sem nenhum perdão

Retorno

Ergo-me

Firme, rijo, sólido

Sozinho

Rumo ao incerto


De uma possível nova queda


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

eu sou uma multiplicidade de coisas
que não cabe em ser medida
sou a perda, me perca
me veja partir e me ignore
passe por mim como se eu nem existisse
pois eu nunca vou deixar de estar aí
e nem de ser, muito menos de sentir
eu sou pluralidade, sou complexidade as avessas
sou caos e sou ritmo cego e certeiro na ausência de minhas direções

vario em minhas próprias variações
sistema de compreensão complexa
já disse que sou complexidade
e me encanto por ela
me encanto pela complexidade que vejo em ti
e também pela complexidade de todas as outras coisas
a simples complexidade  que nos permite conceber nossa própria existência

não sei pronde fui
nem sei donde vim
mas sei que comigo eu carrego uma imensidão profunda
um tesouro escondido
uma riqueza soterrada
no fim, acho que sou mesmo um mineiro
escavo em mim os mais profundos poços de petróleo
e neles cesso a minha sede
me alimentando do mais profundo do meu ser

e me perdendo na infinidade de tudo
1
come a porta
com seus dentes tortos
retorcendo a maçaneta
enquanto a língua sangra

2
blues
na sala
sol na janela
e a fumaça sobe
dos seus olhos em chamas

3
são as mesmas respostas
as mesmas vontades
os mesmos abismos e seus saltos
o abissal do insensato
nas palavras prediletas

do sujeito profeta

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Na cidade pequena os gatos fazem muito barulho de madrugada
Os cachorros dormem no meio da pista, donos do espaço
Carros são perseguidos por cães gentis
E muito se briga pelo pouco que resta dessa paz não humana
Mas afinal, o que querem os homens num lugar como esse?

E afinar tudo é passar por um lugar que eu nem bem conhecia
Qual o espaço e a métrica de se ter um lugar dentro de uma sinfonia desconhecida
Tocar as cegas a compreensão do novo
É plenamente existir de fato
Com uma doze de juízo
E dúzias de inconsequências corajosas
Foda-se o pênalti
Mas será mesmo, cobrador?

Quem fecha as contas no fim das contas, hermano?

Mas que regras regem esse jogo, se não uma nova conduta prestes a ser decifrada
Entregar-se é também desvendar
E tu não andas sozinho
Cada memória é um caminho
E força é certeza
Na completa impossibilidade de previsão de qualquer coisa
E eu não faço a mínima ideia do que possa acontecer

Eu sou um agente
Eu sou um, a gente?
A gente faz o brega ficar chique
E cava fundo na percepção
Conhecer, desvendar/interpretar, crer ou não crer (eis a questão?), proceder, se responsabilizar por uma escolha.
Escolha
É preciso ter um lado
Ou não?
Somos todos juntos
Mesmo?
Não é um questionário, são questões
Quem, compreende o que?

Eu não entendi
Então quem foi?

A difícil resposta se encontra na perda
No perder-se
Pra ser, mais exato
Mesmo que completamente aleatório

Cachorros latem
Gatos brigam
Na cidade pequena
Poucos ouvem
Muitos gritam

Talvez fosse a hora de reler todo o texto. Buscar uma interpretação de tudo o que já foi dito.

Com base no autor

É quase um segundo capítulo
Pode ser um fim
Ou recomeço
Uma etapa num desenvolvimento mais complexo
Milhares de coisas, inclusive, nada
Ou
Uma salvação

Aposta?

A troco de que se troca uma vida dessas?
Afinal, o que é viver?
Pra você, o que é viver?
E a troco de que?

Quanto se paga pelo luxo do desfrute de uma vida?

Vale aceitar sentir o que se sente e enfrentar sem medo qualquer incerteza
Pois tudo é incerteza.
Tudo se relaciona com tudo
Infinitos vezes infinitos
No plural de infinidades
Qual é a resposta?
42?


Os cachorros latem

Sempre adorei ler Álvaro de Campos
E suas vantagens de ser invisível no canto da janela
Quando só resta apenas uma casa com a lamparina acessa


Quem mora nela?

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Quando eu penso demais no significado das palavras, elas simplesmente não saem. Quando eu penso demais na interpretação que as pessoas vão fazer do que eu escrevo, eu simplesmente não escrevo. A verdade é que a minha limitação com as letras faz com que eu me ache eternamente repetitivo. Eu sempre falo as mesmas coisas, do mesmo jeito. Inclusive falar sobre isso e dessa forma não é nenhuma novidade pra mim.

Eu sofri uma queimadura e agora eu tenho uma bolha no meu polegar opositor direito. Ao mesmo tempo eu estou com uma enorme espinha no canto da boca. Essas duas anomalias físicas tem ocupado grande parte do meu tempo ocioso. Paro em frente ao espelho e analiso a espinha, com ela vejo minha barba farta e todos os pelos brancos, ruivos e negros que habitam o meu rosto cansado e quase irreconhecível. As marcas nos cantos dos olhos cada vez mais profundas, as olheiras pesadas de um cotidiano de trabalho excessivo, nada disso me incomoda enquanto eu ainda conseguir ver um pouco de beleza no fundo dos meus olhos.

Aperto a bolha no dedão, não sei que tipo de líquido é esse que a preenche, mas não quero que ela estoure. A queimadura não doeu o tanto que a marca dela faz parecer que ela deveria ter doído. Eu não sei muito sobre a minha resistência á dor, afinal de contas eu não sei quanta dor um ser humano é capaz de sentir. Não consigo me recordar qual tenha sido a minha experiência mais profunda com a dor física. Talvez quando eu rompi o ligamento do joelho ou algum chute no saco. Meu cotovelo quebrado, minha tatuagem na costela, foram dores sim, mas totalmente suportáveis. A dor que mais me doeu até hoje não foi física, isso é fato. Mas sobre isso eu não converso mais.

Gosto de pensar que eu sou uma pessoa com uma boa imaginação. Volta e meia construo situações na minha cabeça e me enfio nelas com toda a minha verdade. Já chorei pensando em coisas ruins, já chorei pensando no meu time campeão, já sorri feito besta andando sozinho na rua, já tive que tomar remédios pra ansiedade por não conseguir me desligar de ficar imaginando possibilidades infinitas a respeito de coisas as quais eu não possuía o menor controle.

Nos meus momentos mais difíceis eu habitualmente penso em uma mesma situação. A sensação de enfiar lentamente uma faca no meu peito. E não é qualquer faca, é uma faca específica que eu tenho em minha casa. E eu fico sentado na entrada da cozinha, do lado do armário, sem camisa e aos poucos, bem aos poucos vou sentindo a faca, meu peito, a faca, o frio, a faca, meu peito, a faca, espetando, a faca, meu peito, o frio, a parede, a faca, minha filha, eu paro. Faço um corte no lado de fora do antebraço esquerdo e levanto. Só dói depois que eu chego no corredor e eu me obrigo a deixar doer. Depois vem toda a lógica de como eu vou explicar isso pras pessoas. Penso na preocupação da minha mãe, minha família querendo que eu me trate e coisa e tal. Depois a paranoia com a perda de sangue e se eu devo ou não ir a um hospital levar pontos. Claro que eu ignoro a sujeira no chão e tudo mais. São alguns limites que eu acabo encontrando, e graças a eles eu acho que consigo discernir o que é real do que não é.

Com as palavras a sensação é um pouco a mesma. Os limites que elas me impõem enquanto eu tento trazer pra fora de mim tudo isso que eu sinto, são mais um degrau nessa construção de mundo que eu impensadamente faço desde que me entendo por gente. Quando eu era mais novo me lembro de desejar uma máquina capaz de traduzir todos os meus pensamentos e torna-los reais em segundos. Uma obra de arte, um filme, um personagem, uma foto. O que quer que eu viesse a pensar se tornaria real e completo em segundos. Me lembro de achar que se isso fosse possível eu poderia mostrar o meu valor ao mundo. Uma vez depois de muito tempo, ouvi uma pessoa me dizer que tinha esse mesmo desejo. Só que quando eu ouvi isso, eu já sabia que isso já era possível e que ter que enfrentar todas as dificuldades de trazer por si só a sua imaginação para o mundo era o que fazia tudo ter valor.

Imagina só se todas as pessoas tivessem uma ferramenta capaz de tornar tangível todos os seus pensamentos. Haveria gênios e grandes lideres, claro. Mas também viveríamos soterrados por milhares de ideias rasas e regulares. E sempre que eu pensava na existência dessa máquina o meu maior medo era que mesmo com ela eu continuasse a ser só mais querendo ser alguém de fato. Foi a compreensão da necessidade do esforço criativo que me fez entender qual é o limite entre ser só mais um e ser alguém.

A verdade é que a satisfação com a criação deve ser apenas do próprio individuo e não algo atrelado á aprovação popular. A verdade é que é mesmo bem simples e idiota e é esse mesmo papo piegas de sempre de que é você e mais ninguém quem determina o seu estado de satisfação com a sua própria existência. As letras nunca me deixaram satisfeito. A fotografia se dispôs como uma alternativa e nela eu encontrei mais do que esperava.

Me lembro de negar a sua função no início. Me lembro de me sentir insatisfeito com a facilidade com a qual ela se apresentava. Qualquer um poderia fazer aquilo que eu estava fazendo, na verdade, muita gente estava fazendo a mesma coisa que eu e muito melhor do que eu. E ainda está. A diferença é que hoje eu entendo o meu caminho, hoje eu compreendo o meu processo e por isso eu sei que se eu me dedicar, eu vou ser capaz de alcançar o que eu desejo.
Pra além das letras e das imagens estáticas, ainda me restam os desejos audiovisuais unindo as duas esferas na criação de mundos como os que eu tenho na minha cabeça, as artes plásticas, o desenho e por fim o meu maior objetivo; a música.

Mas para toda e qualquer forma de me expressar, o que para mim é o mesmo que existir, eu sempre estarei preso a mim. Por isso eu busco a minha forma de fazer as coisas. Nem sempre isso é uma boa coisa, a limitação técnica é um grande empecilho e parte do esforço artístico está em se vencer essa barreira de dedicação e suor e aprender o jeito certo de fazer as coisas. As normas, as regras. Sempre me disseram, aprenda a forma correta e depois faça do seu jeito. Mas eu me acho especial demais pra dedicar tanto tempo assim as regras. Eu prefiro ir fazendo e com meus erros e acertos ir me afinando até que um dia eu chegue no ponto no qual eu vou me sentir satisfeito.


Quando eu penso demais nas regras, eu simplesmente não vivo. Um brinde á vida que brota de toda liberdade. Amém. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

meus olhos
rompem a barreira
e nada sobra
tudo é vida
é vista, é visão é vislumbre
verossimilhança
versatilidade
verso
profecia, protesto

assino contratos com a incerteza
belezas infindáveis
sentidos incompreensivos
vaidades e vadiagens
conversas mal acabadas
e beijos não dados
toda a crueldade do abstrato

como telhas
como a água
como a última noite de uma criança
como a verdade de um pássaro cego
como a hora de uma lesma

esqueço a dor
mas me lembro
do amor
que eu não tenho
por você
eu deixo ser
qualquer coisa
mesmo que nem faça
diferença alguma
ser assim tão o mesmo de sempre
tão óbvio pra quem já sabe
mas engraçado
nem reconhecer
essa profundidade
tão previsível
na minha lista de materiais
pra mais um ano letivo

são dois em um
um por dois
são cento e dezoito
de novembro
de mil novecentos e lá vai conta
nada contra
é só o destino escarlate
que não me espanta jamais

e a resposta é sim
independente do que se pergunta
a imagem que eu nem reconheço de mim
mais um espelho
outro espectro
e eu nem lá estou
mas vejo
minhas mãos
sua boca
seus cabelos

nem sei onde começa
nem sei onde eu encontro
nem sempre
ou talvez
seja só meu jeito de querer te deixar crer
meu jeito de vencer

se deus é um delírio

então você pode ser a minha religião 

terça-feira, 30 de agosto de 2016

o pouco que ainda há
de tudo o que um dia fui
naquilo que nem será

temporal
venha soprar as folhas mortas
temporal
venha encharcar a minha cama
temporal
não me deixe mentir

tantas bocas
e bocejos
tantos dedos
e estalos
tantos olhos
e remelas

eu toco o tempo
pra sentir o gosto de
tudo aquilo que não se prevê

temporal
faça de mim senhor do tempo

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

semespaço
nadaescapa
nessabolha
quemeaperta
tãopoucaluz
pratantalucidez
etantaservidão
emnomedealguém
eunemmelembromais
comoéperdermeuspassos
oudacorqueosmeusouvidosmefazemenxergar

quandotudotemmaisdeumsentidoeeumaisdeumlugar

domingo, 21 de agosto de 2016

ontem eu chorei
tem muita coisa sobre mim
que eu ainda nem sei
talvez estar aqui
seja pior do que eu pensei

ontem algumas dores despertaram em seus abismos

eu vi
lá dentro
no meu cansaço alucinante
a sombra
as cicatrizes

e o medo

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Daqui pra lá tudo não passa de uma confusão muito grande. É melhor você não pisar naquele canto ali também não. O último que passeou por ali, nunca mais foi visto, mas volta e meia alguém conta que ouviu a voz dele pedindo socorro por entre as paredes. Mas eu acho que é tudo mentira. De toda forma, é bom tomar cuidado. Se você for passear depois das dez é aconselhável que leve com você dois litros de leite e uma espiga de milho. Eu nem sei o motivo, mas desde que eu cheguei todo mundo faz isso, então eu faço também. Ás vezes voltam uns sem o leite, ás vezes outros sem o milho e de vez em quando uns nem voltam. A gente só acha o leite e o milho em algum canto por ai. Se por acaso você se apaixonar por alguma das garotas, você deve perguntar para ela qual a cor que ela mais gosta. Se a resposta for vermelho, vocês podem se beijar. Se a resposta for azul, você deve falar um número de zero a 10, esse número deve ser a quantidade de vezes que você sonhou com ela antes de procura-la, a partir dai ela vai responder novamente a sua pergunta sobre as cores. Já se ela responder amarelo, você deve virar as costas e ir embora. Ela terá então dois dias para lhe entregar um texto dizendo os motivos pelos quais ela te rejeitou com algumas dicas de como você pode se tornar mais interessante para uma próxima pretendente. Caso você se apaixone por um homem você deve se aproximar do mesmo e cuspir-lhe na cara. Ele então irá optar se te beija ou se te bate. Se ele te bater vocês devem lutar até que um dos dois diga que desiste ou que comecem a transar durante a briga, isso é bem comum por sinal. A masturbação é totalmente liberada e inclusive existe um local onde as pessoas a praticam em conjunto. Porém, nesse recinto é proibido ter relações sexuais de qualquer natureza. Os banheiros ficam no segundo andar e são para ambos os sexos. Se a pessoa que for ao banheiro depois de você fizer qualquer queixa sobre o estado do mesmo é sua obrigação fazer a higienização total do banheiro. Temos 14 banheiros, todos com chuveiro. Todos os dias uma pessoa é designada para o show da noite. Ela precisa consumir uma grande quantidade de opiáceos e tocar o instrumento que estiver á disposição em cima do palco por ao menos 40 minutos. Não são permitidas desistências nesse caso, o restante do grupo estará pintando nu na sala de show com as 3 cores designadas da semana. No fim, nós servimos a ceia e todos estão liberados até a manhã do dia seguinte. As atribuições diárias variam, rapidinho você vai entender o calendário. Esse aqui é o seu quarto, nos primeiros três dias você deve ficar trancado ai comendo apenas pão e água. No fim do terceiro dia você deve recitar uma poesia para o grupo baseado em sua experiência na solitária. Boa sorte. Nos vemos na sexta.


A porta fecha.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O ímpeto
Da destruição
O impulso de explodir
Ruidosamente raivoso
Um soco na alma
A cara no espelho
E os olhos queimando
Respiro fundo
O êxtase coletivo
A entrega
A porrada, a queda, a satisfação
Somos auto destrutivos
Somos homens sem sentido
E abrimos nossos braços
E nossas almas
E nossos corpos pro atrito
Gritamos desafinados as nossas verdades tortas
Cotovelos, punhos, costelas e lábios
E essa dor que sentimos desde o primeiro dia
E que cura quando entramos nesse torpor violento do amor
Não estamos mais sós
Somos homens com corpos tão horrendos, feios e fracos
Somos feito unha e carne
Somos irredutíveis
E as ruas não tem medo! E por isso nós também não!
Nós! Que estamos atados!
Nós que externamos nossas incertezas violentas e descontroladas
Nós e nossas guerras
Nós e nossas mortes
Nós e nossas indescritíveis formas de amar
Somos homens atrás das bombas que irão implodir os nossos muros
Aos murros, aos tropeços, ás cegas
Somos homens e nos beijamos
Somos homens e nos amamos
Somos homens e nos inventamos
Um no outro
Todos num só
Venceremos
Com absolutamente nada na cabeça
Mas com o peito cheio
E o sangue quente
E com nossas lágrimas regaremos nossas árvores
E delas hão de brotar os frutos que servirão de sustento a nossa força e coragem
Nunca iremos nos render

Eu nunca estarei só
Lupe de Lupe - Homem

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

um passo, dois passos e o passado passa
cabe qualquer incoerência aqui
qualquer mistura
qualquer vontade
cabem sonhos e sobram obrigações
falta tempo hoje pra que haja mais tempo amanhã
falta presença hoje pra que eu possa estar em todos os lugares amanhã
falta certeza agora pra que eu possa apostar mais alto sempre
talvez eu ainda esconda um pouco o coração
talvez eu ainda mantenha um dos pés fincado nesse chão
talvez eu ainda precise tomar cuidado
pra não levar mais uma porrada
pra não perder mais sangue
pra não deixar meu mundo zonzo demais
depois da linha não existe mais certeza de nada
e passo a passo eu me aproximo de um grande fim
nada jamais será como antes

eu não sou mais o mesmo

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Crer no que eu creio
É pensar que tudo vai ficar bem
Crer no que eu creio
É não acreditar em nada
Por saber que tudo é possível
Crer no que eu creio é simplesmente permitir
Que seja
Sem controle
Talvez sem destino
Mas certamente

Incerto e confiante

sexta-feira, 22 de julho de 2016

eu tinha um tempo
mas ai ele acabou
então eu fiz um novo
um outro tempo
mas ele é lento
é jovem ainda
não conhece os caminhos direito
anda meio torto como um bebê, sabe?
parece que vai cair, mas segue trupicando
até que se senta e para
e me encara, como se esperasse de mim alguma ordem
eu tinha um tempo
que operava em mais de um fuso horário
mas agora tudo que tenho é um tempo só
incapaz de entender outros tempos
incapaz de se adaptar a outras velocidades de interpretação da realidade
um tempo ainda em descoberta, ainda usando fraldas
um tempo que eu preciso limpar e alimentar todos os dias
um tempo que acorda chorando as seis da manhã e que depois dorme sereno até meio dia
mesmo que eu tenha que estar no trabalho as nove 
um tempo que me olha com olhos gigantes e claros como os da minha filha
minha filha que já tem seu tempo em seus onze anos de planeta Nina
e é ela que coloca o meu tempo pra brincar, pra dançar, pra sorrir, pra pular e assistir desenho
é ela que desdobra os origamis confusos da minha vida e me dá caneta e papel pra me reescrever
é ela que me mostra que o tempo não para e que por isso eu não posso mais parar
meu tempo cresce a cada dia e me faz promessas que só eu posso cumprir
eu tinha um tempo
mas ele não era meu por inteiro
agora, eu tenho um tempo todo

um tempo totalmente novo 

terça-feira, 19 de julho de 2016

sou orbitado por vazios

um refém das ausências

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Por isso estou na sua esquina

Não há lugar em que não se possa estar
Não há perder que não possa se encontrar
Não há futuro que não se construa
Hoje estamos
Amanhã somos
Ontem teremos
E quantos tempos num trocar de letras?
Faço-lhe uma pergunta:
E quantos tempos num trocar de letras?
Num mudar de lugar
Num aceitar o incerto
Numa compreensão errante e inconstante do viver de cada uma dessas coisas
Dessas coisas vagas
Vagas e abstratas
Coisas muito sutilmente abstratas
Como um trocar de letras
Como descobrir de sentidos
Na palavras plural do sentimentos
Ouço-te e leio a ti
Mesmo que em mim isso nem seja percebido conscientemente
Mas toca-me de duas formas
Quando me diz, quem tu és.
Mas quem és tu?
Cara de tatu

?

segunda-feira, 11 de julho de 2016

sigo em busca de novos limites que possam me abrigar
rompi a bolha e me atirei no inferno da verdade
eu sou meu pior inimigo
eu sou meu único deus
sou minha perdição e minha cura
sou minha fome e meu ódio
eu sou a faca que nunca cravei no meu peito

sigo em busca de um novo lugar onde eu possa me refazer
onde eu possa expandir toda a minha insanidade e converter o caos em lucidez
eu aprendo na prática
eu apanho na cara
abro os braços pro chão me engolir
fecho os olhos pros beijos me acertarem
eu sou a faca que nunca saiu da gaveta


e agora eu sangro

domingo, 10 de julho de 2016

Olha
Se eu souber
Me esquece
Se eu lembrar
E parte
Se juntar

Em cada linha que desenha a sua mão
E nos pequenos pelos perdidos pelo seu corpo
A cor dos seus olhos e a saliva que você engole
Suas unhas infinitamente decididas em seguir sempre crescendo

Olha
Talvez nada vá fazer sentido algum
Mas olha
Mesmo assim, olha

E deixa cair do céu
Beija logo a lona
E assume o fardo
Ou se joga do precipício
Que não tem deus nesse mundo
Que te salve de você

Se eu souber
Se eu lembrar
E se juntar

Quebra

sexta-feira, 8 de julho de 2016

a vida sabe
e ela vai me contar

olhei pra fora
e vi por dentro
de você

abrindo a alma
perdendo a hora
tentando me reconhecer

ai
ai no fundo
onde nascem suas lágrimas
onde faz calor de verdade
onde brilha um sol atrás de um sol atrás de um sol

a vida sabe
e ela vai te mostrar

que perder não é nada
se você se ganhar
nessa estrada
de viver e errar
de mãos dadas
com o destino que for
do tamanho do seu coração

e chora
chora sim que assim que é de verdade
e me perdoa qualquer maldade
nunca te quis mal algum

a vida sabe
mas a gente não entende

ainda
a gente ainda não entende

mas a gente chega lá
lá onde a gente quer chegar


no nosso lugar

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Você fica indo de um lado para o outro. Abre janela, fecha janela. Varre a sala, tira o lixo. Encontra o que não quer ver e se fecha. Recebe uma ligação, um recado, uma deixa. Deixa quieto. Vai com tudo.

Você se perde entre labirintos imaginários. Se desliga da verdade e vive o sonho que passa na sua cabeça. No intervalo de uma cena pra outra, um recado dos patrocinadores da memória. Você sem lembra? Como se tivesse forma simples de esquecer.

Você vai pra uma festa. Você perde a sanidade, a dignidade o pudor. Se afoga em um copo cheio de torpor, se perde entre curvas novas e sorrisos radiantes. Imagina, cria, diz a verdade, se entrega e se expõe com uma coragem tola. Você dança o silêncio da sua solidão e abraça as incertezas pra dormir mais confortável.

Você troca ela por ela e ainda assim sempre tem uma “Ela” que preenche o seu peito e a sua imaginação como uma forma capaz de assumir tudo o que você quer um dia entregar de novo a alguém. Nada além de você mesmo e seus cacos mal remontados.

Você se acha, você se deixa ir, você se permite romper um limite novo e nele encontra paz ou perturbação, mas não faz diferença. Você sabe que tudo o que pode fazer é ir e ser do jeito que escolher ser sem pensar. Você deixa o despertador tirar mais uma soneca e se esquece do que diziam os seus sonhos.

Você busca conforto em qualquer coisa. Lê o horóscopo e acredita que esse vai ser um bom dia. Você vê ela ao seu alcance, mas prefere ficar quieto e esperar que ela te diga sim ou não. Que te mande um link ou que puxe qualquer assunto. Você tira mais uma foto que não ficou boa. Escreve mais um texto que não ficou bom. Ouve mais um jazz que te prova que você jamais vai ser capaz de se expressar musicalmente se não se dedicar a isso.

Você tem tentado se dedicar. Mas nem sempre é fácil. Você se segura, você engole suas vontades e dá assas a sua imaginação enquanto roteiriza encontros amorosos. Você se liberta. Mas quando se dá conta enxerga o fantasma do antigo amor de canto de olho. Escolhe sorrir. Não há magoa que vença o bem querer. Você deseja sorte, força e coragem pra si e para todos.


Você escreve um texto. Você respira, você espera. Você vive mais uma vez. 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

desgastado
depois de tanto tempo
é impossível não estar

aqui dentro
é impossível não ficar
desgastado 

terça-feira, 5 de julho de 2016

fecha essa porta que eu não quero mais ninguém
que já faz tempo que esse sol beijou o mar
e não tem lua nessa noite de amanhã
e não tem peso que me deixe no lugar
que eu não quero estar
eu não
quero estar


aqui

e vai que eu vou
e sai que eu sou
melhor pra mim


domingo, 3 de julho de 2016

terceiro - quatro do sete dois mile dezesseis - estudo sobre o livre ser - eu

Encontrei nos meus rascunhos, rastros.
Não são erros, são coordenadas
Que baseiam suas interpretações
Em cada uma das buscas
Digitei no Google (dois pontos)
O que fazer quando me perco?
João e Maria
Rastros são migalhas de pão
Rastros são invenções
São desculpas
Formas de encontrar segurança ou salvação
Nem sei mais onde estou, mas olhar pra trás me lembra de onde vim,
Nem sempre existe passado
E quando apagada a memória do tempo
Ai sim se faz fundamental
A chama da criação.
“eu não sei pra que lado mais eu vou, tento tanto, mas tão tonto perco o tempo a direção.”
E faço e deixo,entrego, assino em baixo.
“Percorrendo assim eu vou...”
E vou sem nem parar pra pensar aonde é que eu posso chegar!
Nem sei onde estou
Só fui pra qualquer outro lugar
Onde tudo isso que eu sou possa me levar
Onde ao menos eu mesmo, seja capaz de me interpretar.
Com toda a minha verdade, toda a minha entrega, toda a minha vontade
E minha lucidez ensandecida
Em busca de compreensão

E métrica 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

atravesso espelhos
meu nome é o meu endereço
escrevo cartas para atirar ao mar
peço que a chuva caia
que o sol se ponha
que a vida ande pra que eu possa saltar num outro lugar
ainda não é
ainda não deixou de ser


uma porta se abre
e a ponte que pode me levar até ela é feita de papel
não sei se sou leve o bastante
não sei se sou livre o suficiente
carrego comigo as toneladas de meus trinta anos
e elas me esmagam
em cada piscar de olhos
em cada fio de cabelo
em cada vez que leio o seu nome


aos poucos me habituo ao vazio
me acostumo ao vácuo que me abriga
finjo não ouvir as vozes que me chamam
finjo não sentir as mãos que me tocam
finjo não enxergar os olhos que me observam
nenhuma dessas vozes
nenhuma dessas mãos
nenhum desses olhos
acende a chama da minha alma
duas letras que não se encaixam
que me fazem negar os sentidos que possuem
que me trazem a mente a forma que representam
que ferem meu peito centímetro por centímetro
enquanto as arranco de mim com meus dentes tortos
enquanto as toco acidentalmente com a minha língua
me embriagando com as memórias de seu doce sabor

morri duas vezes a mesma morte
nessa noite e na noite passada e na noite que antecedeu ao primeiro dos dias
morri duas vezes e ainda me mantive de pé
minha carcaça vazia resistiu e fingiu sorrir
assustando a multidão repleta de fé e fome
sussurrando perdão e lamentos de bar em bar
colidindo com o espectro da minha vida passada
e desfazendo completamente qualquer autoconhecimento adquirido
soprando como brisa leve e removendo as montanhas que eu um dia carreguei
me fazendo enfim
pronto para aceitar a coragem
pronto para assumir a derrota
pronto pra poder me olhar no espelho
e me refazer
pedaço por pedaço

o tempo deixará tudo em seu devido lugar