quarta-feira, 6 de abril de 2016

Esse lugar me faz pensar que estou sempre vivendo o mesmo dia. Quantas lembranças angustiadas dessas lentas horas de obrigatoriedade. Quantas vezes eu mascarei a verdade pra que se tornasse possível persistir no cumprimento dessa obrigação. Quanto de mim agora está soterrado por essas rochas frias? Não me alcanço. Não encontro forças pra romper o muro que eu mesmo criei com o passar de tantas dores. Não me sinto melhor, não me sinto maior, não me sinto mais perto.

Eu perdi. Fui derrotado pelas oito horas diárias nas quais eu não pertenço mais a mim. Fui derrotado pela inconstância do meu habitat natural. Deixei as dores acumularem por não ter onde, não ter como, não ter tempo de colocá-las pra fora. Deixei que elas formassem uma capa grossa e cinzenta em volta do meu coração. Eu não podia ceder, eu não podia falhar, eu não podia fraquejar. Eu tinha que ser firme, que ser forte, que cumprir e honrar todas as obrigações de uma nova realidade. Eu tinha que suportar todo o peso e seguir em frente sempre e se mais ninguém podia dar mais, eu poderia. Eu sempre podia, eu sempre pude, eu sempre consegui carregar montanhas e universos nos ombros sem reclamar, sem diminuir o ritmo, sem me render!

Aceitei um fardo maior do que eu poderia. Não foi uma escolha, foi uma consequência. E consequências consequentes me trouxeram até aqui. Esse ponto vazio, essa prisão da alma, essa incapacidade de traduzir o que acontece em mim. No que eu me transformei? Volto em busca do que eu já fui, numa tentativa de compreender a minha fundação. Cavo poços, analiso fósseis, carbono 14. Nunca foi tão difícil aceitar os fatos. Eu nunca imaginei que um dia fosse me perder de mim. Eu nunca imaginei que nesse momento eu fosse ter que ir atrás daquilo que eu pensava carregar entre os dentes, que eu precisasse recriar o brilho dos meus olhos, que eu precisasse inventar uma nova batida pro meu coração.

Não posso ser Ivan se Ivan já não vejo em mim. Não posso ser Ivan se Ivan não consigo mais encontrar em nenhum lugar, nenhuma arte, em nenhuma letra, nenhuma fotografia, nenhum ruído desconexo e amplo. Não posso construir Ivan se já não sei mais do que se fez Ivan um dia. Não posso mais deixar Ivan ao mundo se o mundo já não deixa Ivan em mim. Não posso mais sangrar meu próprio sangue, nem comer meus próprios olhos e nem matar minhas próprias dores e nem amá-las e nem rompe-las e nem calar em paz a minha doce tristeza de nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca conseguir de verdade ser de verdade e viver de verdade e sentir de verdade e encontrar de verdade a verdade de todas as coisas que me cabem, que me fazem, que me rompem e transpõem, de todas aquelas coisas que não se consegue nominar e mal se sentem, mas que sabemos, mesmo sem saber, sabemos que são as únicas e verdadeiras coisas que importam.

Eu não quero mais estar aqui preso na prisão do tempo, dos valores, das ordens, das buzinas, dos escapamentos, das afinidades mal estruturadas. Eu não aceito e nem nunca quis aceitar essa vida! Eu nunca quis aceitar essa vida em meu próprio nome! Eu vim e fiz por outros, por você mais do que por todas as pessoas. Por você eu fiz tudo o que eu pude fazer, por você...


Eu não quero mais parar de escrever. Não quero mais virar a chave e sorrir pra quem vem me pedir pra fazer uma alteração. Não vou dizer mais que estou cansado, fiz um acordo comigo pra negar a existência dessa palavra. Conheci meus limites. Trinta anos e eu conheci meus limites e rompi barreiras, mas agora eu sei. Sei que não sei como, mas definitivamente, sei que não é assim que eu quero viver. 

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