sexta-feira, 1 de julho de 2016

atravesso espelhos
meu nome é o meu endereço
escrevo cartas para atirar ao mar
peço que a chuva caia
que o sol se ponha
que a vida ande pra que eu possa saltar num outro lugar
ainda não é
ainda não deixou de ser


uma porta se abre
e a ponte que pode me levar até ela é feita de papel
não sei se sou leve o bastante
não sei se sou livre o suficiente
carrego comigo as toneladas de meus trinta anos
e elas me esmagam
em cada piscar de olhos
em cada fio de cabelo
em cada vez que leio o seu nome


aos poucos me habituo ao vazio
me acostumo ao vácuo que me abriga
finjo não ouvir as vozes que me chamam
finjo não sentir as mãos que me tocam
finjo não enxergar os olhos que me observam
nenhuma dessas vozes
nenhuma dessas mãos
nenhum desses olhos
acende a chama da minha alma
duas letras que não se encaixam
que me fazem negar os sentidos que possuem
que me trazem a mente a forma que representam
que ferem meu peito centímetro por centímetro
enquanto as arranco de mim com meus dentes tortos
enquanto as toco acidentalmente com a minha língua
me embriagando com as memórias de seu doce sabor

morri duas vezes a mesma morte
nessa noite e na noite passada e na noite que antecedeu ao primeiro dos dias
morri duas vezes e ainda me mantive de pé
minha carcaça vazia resistiu e fingiu sorrir
assustando a multidão repleta de fé e fome
sussurrando perdão e lamentos de bar em bar
colidindo com o espectro da minha vida passada
e desfazendo completamente qualquer autoconhecimento adquirido
soprando como brisa leve e removendo as montanhas que eu um dia carreguei
me fazendo enfim
pronto para aceitar a coragem
pronto para assumir a derrota
pronto pra poder me olhar no espelho
e me refazer
pedaço por pedaço

o tempo deixará tudo em seu devido lugar

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